Off-Topic: Minha homenagem a LCD

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Participo de uma newsletter/lista de discussão chamada PQN (Pão de Queijo Notícias) desde 2004. Lá, mais de 150 mil profissionais de comunicação de Minas Gerais - mais especificamente -, do Brasil e do mundo discutem assuntos pertinentes à área.

Em 2006, começaram a aparecer na PQN comentários inflados em defesa do atual governo. Luiz Carlos D'ávila assinava essas mensagens. Vou resumir seu nome para LCD, como ficou conhecido o paladino petista na newsletter. Política sempre foi um assunto que me interessou muito. Por isso revolvi me especializar na pós em marketing político que fiz em 2004. Esses comentários, sempre elogiando o PT e suas realizações pareciam vir de uma pessoa séria, bem embasada, afinal, escrevia muito bem e seus argumentos eram veementemente sólidos. Era o tipo do cara que eu se ama ou se odeia, tamanho empenho e firmeza que colocava em suas palavras.

E eu adoro uma boa discussão. Sou capaz de ficar horas falando de um assunto que me interessa sem cansar. Sempre terei o que falar (e o que ouvir). Não demorou muito para que eu e LCD travássemos discussões acaloradas - para tristeza de uns e alegria de muitos -, sempre moderadas pelo jornalista Robson Abreu, responsável pela edição e envio diário da PQN.

Durante um tempo, era assim: eu acompanhava por alto o noticiário esperando que LCD discordasse de tudo, que acusasse o PIG (Partido da Imprensa Golpista), os tucanos, os "DEMos" e os Estados Unidos por todos os males do mundo. Aguardava para ler seus textos defendendo Lula, o PT, Cuba, MST, China e todos que fossem contra os EUA. Eu ia lendo, lendo e o dedo coçando para dar-lhe uma réplica à altura (o que raras vezes conseguia). LCD, incansável, vinha com a tréplica no dia seguinte, o qual eu aguardava ansiosamente.

Quando ele não me respondia novamente, confesso que me frustrava. Eu gostava de confrontá-lo. Me fazia pensar, abrir ainda mais minha cabeça, mesmo que na maioria (absoluta) das vezes não concordássemos. LCD era um militante, viu o PT nascer no país. Tinha seus ideais. Eu, não sei se por culpa minha ou por ter nascido em uma geração diferente da dele, não vivi o auge do socialismo (se é que houve), não sofri com a ditadura militar, nunca fui pra rua protestar por nada.

O maior inimigo da minha geração na infância foi a inflação. Na adolescência e juventude, o desemprego. Inimigos estritamente econômicos. Fui engolido pelo mercado cedo. Doutrinado para servir ao sistema capitalista, que a cada dia me promete uma vida melhor (mas nem sempre cumpre).

O socialismo se foi (exceto Cuba), os ideais petistas, na prática, também se foram. Tinha ficado LCD, na minha opinião, talvez o último dos românticos da estrela vermelha. Às vezes chegava até mesmo a duvidar de seus reais interesses em defender tanto assim um partido ou um presidente. Mas LCD viveu em função do partido.

Nossas discussões chegaram a tal ponto na newsletter PQN que, em 2008, veja só, até dividimos o Prêmio PQN de Ouro de Melhor Leitor (foto ao lado). Era a terceira vez que LCD levava o prêmio e, pra mim, foi um prazer dividir o troféu com ele. A minha popularidade na newsletter dependia, até certo ponto, dele. No fundo no fundo adorávamos discutir pelo simples prazer de discutir. Jamais imaginei que iria fazê-lo mudar de ideia, e nem ele a mim. Nas discussões mais ásperas, quando a verborragia descambava para ataques pessoais, lá vinha o Robson nos dar baldes de água fria, fosse respondendo que não ia publicar a "quintéplica" ou publicando apenas trechos e pondo fim à discussão. Edição mais que necessária nas vezes que nos exaltamos.

Apesar de petista roxo, percebia em LCD um democrata, uma pessoa que gostava de discutir, não só de falar. Fosse assim, ele não perderia seu tempo em sempre me responder. Quando ficávamos muito tempo sem nossos embates ideológicos, alguns participantes da newsletter mandavam mensagens pedindo novos rounds. E não tardava muito para que eles recomeçassem.

Ultimamente as nossas discussões na PQN haviam se abrandado. Eu, trabalhando muito e sem tempo pra nada e ele, cuidando de sua pousada Santa Vista da Roça em Casa Branca, distrito próximo a Belo Horizonte. Apesar de seus cinquenta e tantos anos, discutia comigo e com o Roberto Caiafa (nós, por volta dos 30), de igual para igual. Até nos apelidou de "Sandereita" e "CaiaFAB", em alusões aos partidos de direita e ao militarismo, verdadeiros inimigos para LCD.

Na última semana de outubro, porém, como que um vulcão recém-despertado, as acaloradas discussões retomaram com força total na PQN. Nossos dedos voltaram a coçar por réplicas, tréplicas, etc. No dia 3 de novembro, pela manhã, depois do feriado de finados, recebo um telefonema do Robson. Como faço todo início de semana, estava em reunião com o pessoal do trabalho e não pude atender. Em questão de segundos, recebo uma mensagem no celular, com os curtos dizeres: "Loro, lcd morreu". Minha resposta, também por mensagem, foi ainda mais econômica: "Putz". Não que eu estivesse duvidando. Foi um "putz" de espanto, de consternação. E Robson respondeu novamente: "É verdade mesmo". Acabada a reunião, liguei pra ele pra esclarecer a mensagem que estragara minha semana. "Morreu de quê?", perguntei. "Parada cardíaca", disse Robson.

Não sabia o que sentia. Éramos divergentes ideologicamente e eu, particularmente, adorava isso. Amava aporrinhá-lo, provocá-lo, cutucar o verdadeiro vespeiro que era aquele cérebro que parecia viver nos anos 70. Adorava ler seus discursos cegos, fiéis e apaixonados em defesa do PT (e discordar de tudo). O que mais me intrigou foi ler, na PQN do mesmo dia 3 de novembro, sua derradeira mensagem respondendo a uma provocação que lhe fiz na edição anterior da newsletter. Texto que, segundo Robson, LCD escreveu em seu último dia de vida.

No fim do texto, com sua ironia sempre afiada, ele concluía, depois de resumir a compra de seu terreno em Casa Branca que começara em 81: "Aliás, só tenho a agradecer, Marcelo Sander, pela oportunidade ao me agredir, angreifen, schlang, anfallen, para poder socializar isso acima".

Durante todo o dia fiquei com uma aba aberta no browser, com a notícia da morte de LCD no site da PQN, sem coragem para fechá-la, esperando por alguma atualização, em vão. Durante os dias seguintes, procurei por alguma menção a ele no site estadual do PT, partido o qual ele tanto amou, mas não encontrei nada. Ao entrar no ônibus, LCD estava lá, logo atrás da segunda fileira de cadeiras, representado no Jornal do Ônibus, publicação que ele ajudara a fundar quando esteve na Bhtrans (e que eu não sabia).

Junto com LCD, foram-se algumas das melhores discussões que já travei na vida, mesmo que só através de textos. Sempre imaginava um dia em que faríamos um debate, com tempo igual de respostas para cada um. Seria um debate que duraria meses e só pararíamos quando já estivéssemos sem voz ou exaustos de tanto argumentar.

Precisei perder meu parceiro de brigas (existe isso? sim, existe) para descobrir que, enfim, tinhamos algo em comum. Nos comentários de colegas de PQN, alguns lembraram do ateísmo de LCD, filosofia com a qual também compartilho. Fiquei pensando quantas discussões mais poderíamos ter tido, conversas mais amistosas de pensamentos parecidos, somados. Com certeza encontraríamos na própria PQN combatentes de ideias com quem duelar com nossos argumentos em defesa do agnosticismo. Uma pena não ter tido essa oportunidade. Vida que segue. Hoje é sua missa de sétimo dia. Como ateu, se LCD pudesse opinar, com certeza discordaria. Mas o ritual serve como consolo para os vivos, para os que acreditam em uma entidade superior que necessita ser bajulada para que nos dê o que pedimos.

Apesar de não acreditarmos, fique com deus, LCD.

"Então, pra mim, chega de pautas (ufa) e de tanto carro e sirene em BH. Tô livre."
LCD, em seu último texto

5 comentários :

salomao disse...

Desnecessário ressaltar a importância da newsletter, de sua participação e sobreturo deste post (tendo em vista a proeminência do Mercado Web...) para a percepção das possibilidades da internet como um espaço público (e de discussões políticas), e não somente como uma vitrine comercial de auto-admiração de um mercado (comunicacional, mineiro...) que tem muito a aprender.
Abs

Anônimo disse...

Parabéns pela iniciativa

Aline Marian disse...

Sander,
Simplesmente bacana esse OFF-TOPIC.
Pena que nem todos conhecem verdadeiramente a importância do mercado comunicacional mineiro. Pena que nem todos tinham acesso às discussões inteligentes entre você e LCD.
Abraços,

Anônimo disse...

Bonita homenagem!

Wander Veroni Maia disse...

Oi Marcelo!

Parabéns pela linda homenagem ao LCD. Me emocionei com seu texto, pq quem leu a newsletter sabe o quanto vc e o LCD eram comentaristas assíduos.

Sem dúvida nenhuma, uma homenagem perfeita.

Abraço