Carta aberta aos que não ficaram

Nenhum comentário
Seria tão bom se vocês estivessem aqui. Vocês podem me provar com grandes e competentes números que estão, sim, e que a primeira frase desta carta não faz o menor sentido. Podem argumentar que empregam milhares de pessoas, fazem constantes investimentos sociais, ambientais e culturais. Mas, mesmo assim, eu insisto: seria tão bom se vocês estivessem aqui.

Falo do mercado de comunicação. É: do nosso mercado. Seria tão bom se vocês estivessem aqui. Neste exato momento, talvez vocês se sintam quase indignados e busquem os pequenos números para provar que estão, sim, aqui. São pequenos números de coisas, sem dúvida, muito importantes, como a comunicação interna, o job isolado, um folheto de oferta… Ok, Ok! Eu sei que um pouquinho de vocês acaba aparecendo por aqui. Mas nós merecemos mais, vocês me entendem? Vocês também são do tipo que só se contentam com muito, não é? Nós sabemos que a comunicação de gestão e de posicionamento das marcas, a comunicação dos grandes lançamentos de produtos, a comunicação que requer investimentos realmente significativos, essas vocês levaram embora. E seria tão bom se vocês estivessem aqui.

Não é uma conversa fácil. Andarei no fio da navalha. Não faltarão a vocês argumentos como: precisamos de grandes estruturas, grandes agências, grandes talentos, alta capacidade técnica e criativa etc. Muitos estão convencidos de que apenas São Paulo e Rio entendem de Brasil. É lá que as coisas acontecem. Que qualquer outro lugar é menos do que vocês merecem. Mas já pensou que, se vocês estivessem aqui, investindo o que investem lá, esses problemas não existiriam? Nós teríamos como provar que podemos ser tudo isso. É o que eu digo: seria pra lá de bom se vocês estivessem aqui.

Alguns de vocês falarão de alinhamento mundial ou nacional das contas publicitárias. Quase um dogma, eu sei. Quanto atrevimento: querer questionar um dogma! Me desculpe, é que seria tão bom se vocês estivessem aqui. Entendo que é excelente para as agências o alinhamento global, que elas devem seguir seus clientes mundo afora e afastar o risco de perdê-los para o mercado doméstico.

O mesmo se dá na dimensão nacional-regional. Eu também quero que meus clientes cresçam e que eu possa ganhar o mundo com eles. Mas e para vocês? Esse é mesmo o melhor modelo e o único modelo possível? Um modelo que ignora o lugar onde vocês produzem e o quanto podem ajudar a transformá-lo? Quais agências efetivamente não topariam se alinhar para ter a cobiçada conta de vocês? Quais não topariam seguir as estratégias globais oferecendo um conhecimento local capaz de azeitá-las? Estou falando do alinhamento que interessa: trabalho integrado, sinergia, força nas negociações, sensibilidade cultural, todos remando para o mesmo lado. Estou falando de acordos operacionais nos quais as regionais não entrem só com o copy past! Ah, é ingenuidade da minha parte, esse modelo não existe! Vamos criá-lo, então, não é essa a alma do nosso negócio?

Mas a questão é: por que vocês fariam isso? Por que fariam alguma coisa por nós se não sentem que estariam fazendo também por vocês?

Quero muito que vocês me entendam, não acredito em paternalismo. Não acredito em muro das lamentações. Não acredito em fronteiras como cercas. Não acredito em reservas de mercado. Tenho uma empresa reconhecida e vou até o fim do mundo buscar profissionais, parceiros e fornecedores que façam bem feito o que eu preciso que seja feito. Não aceito que ninguém me diga com quem devo trabalhar. Não peço autorização para buscar fornecedores fora daqui. Como posso, então, querer que vocês fiquem? Eu posso, simplesmente, porque eu quero viver aqui. Eu e um mercado inteiro. Um estado inteiro que precisa dar certo. Quando vou lá fora buscar o que não tenho, de alguma maneira, trago para cá e não o contrário. E cada vez que eu trago, eu transformo o lugar em que vivo com aprendizado, com qualidade, com resultados, com retenção de talentos, com inspiração. Vocês também vivem aqui, produzem aqui. Seria, mesmo, mais do que bom se vocês estivessem aqui nos ajudando a trazer tudo isso para cá. Seria uma espécie de reciprocidade que tem nos feito falta.

O Marcelo Reis foi. O Max Geraldo foi. A Ana Paula Cortat foi. A Regina Madeira foi. Murilo Moreno foi. O Helder Araújo foi. Digão Senra foi. Carlos Henrique Nascimento foi. Daniela Ferreira foi. Laura Esteves foi. Sthefan Ko foi e muitos outros. Seria tão bom se vocês estivessem aqui, talvez eles também estivessem.

Vale, Fiat, Iveco, Café Três Corações e todos os que não ficaram: seria tão bom se vocês estivessem aqui, nós ganharíamos um mundo de oportunidades. Nós, que temos dado tanto a vocês.

Aprendi que, quando o não está garantido, só nos resta a coragem de buscar o sim. Espero inspirá-los, espero que vocês nos surpreendam: tragam suas contas publicitárias para casa. Sua casa. Nossa casa, Minas Gerais.

Carla Madeira
Diretora de Criação e Planejamento da Lápis Raro
Texto publicado originalmente no jornal Estado de Minas do dia 31 de agosto de 2014.

Nenhum comentário :